Depoimentos

Após seleção, por indicação da comunidade, de representantes da geração mais antiga de Paraty, depositária das lembranças mais profundas da cidade, estabeleceu-se um núcleo temático para as filmagem dos vídeos-depoimento: os ofícios tradicionais, em vias de desaparecer ou de sofrer transformação radical, como a arte de construir canoas, o comércio de secos e molhados, a pesca, a comida, a arte popular, o ensino nas escolas do passado. Disponíveis hoje neste site, os depoimentos já foram exibidos na Casa da Cultura de Paraty e nos telões da Tenda dos Autores da Flip 2015. Além disso, são hoje também fonte de pesquisa para professores da rede de ensino da cidade.

Seu Valentim e Dona Magdalena

DEPOIMENTO

"A gente fazia samba. Via um gato brigando, um roubando a fruta do outro… Aí fazia uma música dedicando, mas à nossa moda, né? Olha, eu tinha uma tia Bernarda que tinha muito laranja e o pessoal em tempo de pedir, a mulher é que ia roubar a laranja dela. Fiz uma musiquinha assim: ‘Você hoje quebra o galho, amanhã tira as escoras, depois tira uma fruta, lá vai as laranjas embora. Você está vendo que a vida não tá canja, foi você que roubou minha laranja" Trabalhadores rurais e artesãos Paratienses, 1925 e 1936
Toninho Pinto

DEPOIMENTO

"Quando eu ia no Rio naquela época ninguém sabia onde era Paraty. Ninguém sabia. Outro dia, eu vinha conversando com uma mulher e eu perguntei de onde ela era. Ela respondeu: ‘Sou da África’. Eu quis saber como ela descobriu Paraty: “Oh, Paraty é mundialmente famoso. Todo mundo conhece”. Imagine!" Comerciante Paratiense, 1930
Irma

DEPOIMENTO

"Quando nós saímos de Paraty, o Zé Kleber tinha cinco anos. Era muito difícil as viagens pra cá, só eram feitas pelo mar, então evitávamos de vir. Quando ele fez 15 anos, ele pediu que queria uma festa. Meu pai logo deu uma de machão e disse que homem não precisava de festa. Ele disse que não queria essa festa, ele queria dinheiro para vir para Paraty. Passou as férias de julho todinha aqui. Quando voltou, ele disse que Paraty era a bela adormecida aos pés do mar" Professora aposentada e escritora Paraty, 1922
Maria da Baiaia

DEPOIMENTO

"Independente dos chafariz, o pessoal lavava as roupas no rio. Então a gente acompanhava elas. Elas faziam aquelas rodilhas de pano, botava na cabeça, botava a bacia e vinham andando e cantando. Quando elas sentavam pra lavar a roupa – a minha mãe, falecida Ditinha Preta, falecida Zulmira, falecida argentina –, a gente chegava perto delas e elas começavam a conversar numa outra linguagem, que eu não sei até hoje qual era. Pra gente não ficar sabendo que elas tavam conversando, elas falavam num dialeto" Funcionária pública municipal Paraty, 1943
Mané Rita

DEPOIMENTO

"Trabalhei uns quatro anos com a minha canoa Memória. Paraty nessa época era uma ilha. Ia para Itacuruçá, Mangaratiba. Ou levava só banana, ou levava mercadoria. Feijão, milho, batata, toucinho. Naquele tempo, Paraty produzia muito. Conhece a praça da Bandeira? Ali era uma lagoa. É mais baixo que a rua. Enchia de água. Sábado, vinha aquele pessoal da roça com a canoa, trazia coco, trazia melancia, cana, lenha. Tudo o que eles tinham na roça." Pescador Paraty, 1919
Maria Rameck

DEPOIMENTO

"Vinha o pessoal da roça, trazia aquelas latas de banha quadradas, e faziam fogões de itacuruba. Fogão de índio, com três pedras no chão. Ficavam o dia todo, com lata d’água, lata com feijão, cozinhando para a criançada, dando banho. Era uma cozinha. Um escritor falou que ali era rua do Fogo porque as mulheres eram foguetas. Fui ler pra minha mãe, que gostava de ler, e ela disse: “Imagina, esse cara nem é aqui de Paraty e vem cá escrever bobagem." Professora e cozinheira Paraty, 1932
Ivanildes

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"Os antigos, os pajés, sempre tem essa visão de que tem essa Terra Sem Mal: onde não tem doença, onde não morre ninguém, onde não tem maldade. Então a gente andava à procura dessa terra. Acho que é um lugar sagrado" Liderança indígena Espírito Santo, 1976
Orlando Callegario

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"Aqui era difícil mesmo, era difícil. Não é brincadeira não. Então, você vê que nego era picado de cobra aqui e com duas horas, duas horas e pouco já era atendido lá embaixo. Se vê como é que o povo fazia: ia de carreira, carregando de galope o doente até lá em Paraty. Nunca chegou a morrer ninguém, mas chegava lá bem ruinzinho. Eu mesmo já fui picado duas vezes de cobra" Agricultor e motorista Vargem Alta, 1924
Clélia Ramos

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"Em dia de domingo descia muito farofeiro naqueles ônibus. Quando o padeiro faltava, eu vinha para a padaria. Pão na chapa, café com pão, pão com manteiga e café com leite... eu servia até ele chegar. E vinha o pessoal da roça, de canoa, a cavalo, alguns vinham a pé." Comerciante Paraty, 1938
Bruno Gueiros

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"Muito recentemente eu vi uma discussão sobre as palmeiras imperiais de Paraty. Disse que a altura delas gera risco com a queda das sua folhas, então tem atrapalhado a construção de pousadas, estacionamentos e outras coisas. Então aquela palmeira teve um simbolismo muito forte quando ele surgiu com a ideia de que aquilo virasse um tambor. Tradicionalmente, em Recife, muitas nações tocavam seus maracatus com a macaíba, uma palmeira típica da região nordeste" Analista ambiental Niterói, 1971
Saporem

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"A gente trazia farinha nas costas aqui para a cidade. Eu estava fazendo farinha, pondo farinha no lombo quando apareceu a mulher de João Ramiro, que era professora aqui do Grupo, dona Geisa. Ela me chamou para ser professor do primário. Eu disse: ‘Quero, sim’. Aí fui professor. Com 28 anos aprendi a fazer desenho. Nunca dei castigo pra ninguém." Professor e poeta Paraty, 1939
Geisa Ramiro

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"Paraty antigamente era muito melhor do que hoje. A Casa da Cultura funcionava como clube. Baile toda semana, os carnavais eram lá. Um lugar de encontros. Deixou saudade. Os postes eram no meio da rua. A luz era péssima, só clareava de dez horas em diante. E tinha o cinema. Quando passava faroeste, descia todo mundo. A gente brincava: ‘Vamos no cinema? A gente vai num dia e sai no outro;. A gente ia, namorava... Quem nunca namorou no cinema?" Professora Sto. Antônio de Paduá, 1934
Ditinho e Dona Maria

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"Aprendi a fazer canoa com meu pai. A primeira que fiz chama-se Formosa. Fundeei ali na rua do Mercado, tinha muito pescador, mais de 30 ou 40 canoas ali, tudo encostadinha na porta. Perguntaram: “Mas seria possível fazer uma para mim?” “Não, não, esquece isso”, respondi. “Essa aí eu fiz pro meu pai, por acaso.” “Não. Você vai fazer a minha.” Os carpinteiros estavam se acabando. Captei que ia ficar no lugar dos outros. Aí comecei a assumir." Canoeiro e benzedeira Paraty, 1937 e 1942
Theo Rameck

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"Paraty antes da BR 101 era uma. Foi na década de 60-70. Era linda, era bucólica. Era um patrimônio preservado por arquitetos do IPHAN, mas preservado mesmo. Não botava um lampião na fachada se não tivesse a ver com o patrimônio da cidade. As reformas idem, tanto é que eu procurei ter muito cuidado quando reformei o sobrado" Fiscal de renda do estado do Rio de Janeiro Paratiense, 1938
Zezito

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"Tem história de 240 páginas, tem história de 250, de 170, 45… É como dá na cabeça. Vai fazendo. Eu não faço nenhum roteiro. Me lembro da história e vou escrevendo. Deixo o personagem ir levando a história. Se chega em um ponto que eles encrencam, eu paro ali!" Escritor Paraty, 1922
Antonio Conti

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"A criançada era dona do Centro Histórico, uns 30 meninos e meninas juntos. Nós vivíamos na natureza perfeita. Não vinha ninguém de fora, nem do Rio, nem de São Paulo. A casa do meu pai ficava atrás da Casa da Cultura. Duas janelas e uma porta, tudo colonial. E vai até o mar, ao lado da casa do dom João. Os portugueses fizeram as casas coloniais com os fundos pro mar, mas o sobrado do dom João eles botaram de frente pro mar. Eu entrava a cavalo dentro dele, eram três portas arrombadas, abandonado." Jornalista Paraty, 1929